“Ficar em casa” tem sido “ficar a bordo”

Há 36 anos, a Família Schurmann trocou a terra pela vida a bordo. Surpreendida pela pandemia durante viagem às Ilhas Falklands/Malvinas, parte do clã de velejadores tem seguido as orientações da Organização Mundial da Saúde. Mas, no caso de Vilfredo e Wilhelm Schurmann, “ficar em casa” tem sido “ficar a bordo”. Praticamente isolados de contato com outras pessoas além dos tripulantes do veleiro Kat, incluindo Erika, esposa do filho caçula, os Schurmann descobriram no mar o local aparentemente mais seguro para este momento. Em contato com Heloisa e David Schurmann, isolados em São Paulo, Vilfredo Schurmann compartilha essa experiência de estarem isolados do mundo. Nos últimos 30 dias, os três tripulantes tiveram contato apenas com dois fazendeiros de West Falklands/Malvinas – além dos pinguins, albatrozes, golfinhos e outros animais que dominam a região.

Antes da pandemia

Em janeiro, iniciamos nossa navegação de Itajaí até as Ilhas Falklands/Malvinas. Por dois dias, o veleiro Kat enfrentou ventos de 140 km/h e ondas de 8 a 10 metros de altura. Rasgou duas velas e o enrolador da vela Genoa da proa. Depois das ilhas Falklans/Malvinas, visitamos por 30 dias, com um grupo de amigos, a ilha South Georgia, que está a 1.500 km de lá. A ida aconteceu com navegação de 5 dias com vento a favor e a volta durou 7/8 dias com ventos contrários. O plano original era voltar par ao Brasil há 3 semanas, mas, diante da pandemia, decidimos ficar por aqui. A bordo estamos eu, Vilfredo, meu filho Wilhelm e sua esposa Erika.

Isolados

Já estávamos isolados nesta região, ficando mais tempo sem ter contato com pessoas. Há mais ou menos um mês, soubemos das notícias e medidas adotadas por meio do rádio e da internet a bordo. Estávamos prontos para zarpar para o Brasil, rumo a Itajaí. Seriam 10 dias de navegação. Mas as notícias não eram boas e, por isso, resolvemos estender nossa estadia. Avisamos, por rádio, as autoridades de imigração que iríamos permanecer por um tempo a mais na região de West Falklands – lugar isolado com algumas fazendas, que têm normalmente entre cinco e oito pessoas. E por aqui permanecemos no momento. Se a situação estiver estabilizada no Brasil, podemos retornar no final deste mês. A ideia é fazer uma navegação sem paradas direto para Marina Itajaí, onde fica o veleiro Kat. São 3.500 km de navegação.

Fora do veleiro Kat

Podemos desembarcar. Aqui, teve somente dois casos, que já estão fora de perigo. Mesmo assim, na maior cidade (Porto Stanley com cerca de 2 mil habitantes), no supermercado só podem entrar 15 pessoas por vez, mantendo a distância de 2 metros entre elas e usando máscaras, entre outras medidas de segurança. O tempo todo as autoridades dão notícias à população através do rádio. Apesar de “controlável” e aparentemente seguro, preferimos não ficar na cidade e sim permanecer no meio do mar.

Grupo de risco

Eu, Vilfredo, estou ciente do risco que corro com a pandemia. Mas me sinto tranquilo, porque o meio do mar é o lugar mais seguro. Estamos num lugar muito isolado.

Alimentação

Levamos a bordo mantimentos para três meses. No mar a gente não sabe o que poderá ocorrer. Temos comida normal e ainda mais dois meses de comida liofilizada, utilizada por alpinistas, por exemplo. Portanto, temos cinco meses de comida, se ficarmos ancorado em algum lugar. Estamos comendo massas, feijão, arroz etc. Aqui também tem muito marisco (mexilhão). Em 15 minutos, pegamos mariscos o suficiente para um almoço. Alguns com tamanhos de até 12cm. Também nos pequenos rios, pescamos trutas e robalo.

Combustível & Água

Temos 1.500 litros de diesel. Se tivermos ancorados e economizarmos bem, podemos ficar tranquilos por seis meses. Temos dessalinizador a bordo, que transforma a água do mar em água potável, com capacidade de produzir 200 litros de água por hora.

Animais

Aqui, tem muitos pinguins, focas, leão-marinho, patos, aves, albatrozes, baleias e golfinhos que vêm brincar no bote quando vamos à praia.

 Tem que ter muita atenção na meteorologia, porque os ventos são muito fortes (80 a 100 km/hora é normal). Se estiver mal ancorado, o veleiro pode ir para as pedras. Tem muitas kelpes (algas gigantes com mais 10 metros de comprimento presas ao fundo do mar) e a âncora pode se enrolar nelas. Ficamos sempre de sobreaviso com marcação e alarme. Se o barco se distância 100 metros da ancoragem, soa um alarme e temos que ancorar novamente. Com o vento, a temperatura também cai muito. Nesta segunda, 6 de abril, estava 6 graus.

Comunicação com os Schurmann isolados em terra

Dependendo da localização do veleiro, mantemos a comunicação com os demais integrantes da família por satélite, e-mail ou telefone.

Dia a dia

Wilhelm e Erika estão trabalho na manutenção do Kat, pois um veleiro requer manutenção frequente. Eu, Vilfredo, estou escrevendo o livro sobre a nossa Expedição U-513 – Em Busca do Lobo Solitário, que resultou na descoberta do primeiro submarino alemão naufragado, durante a Segunda Guerra Mundial, na costa catarinense. Foram quase dez anos de buscas e, além do livro, essa história será contada em detalhes também no nosso próximo documentário, que está em pós-produção. Além do trabalho, também lemos muito, Erika pinta, jogamos cartas, caminhamos nos pastos no meio de carneiros e ovelhas (uma média de 6 km por dia), subimos montanhas de 450 metros de altura… Em 30 dias, andamos 80 km. A noite assistimos filmes no telão que temos a bordo.

Saudades…

Da família e das pessoas que a gente ama.

Acompanhe a segunda parte da reportagem, que será publicada ainda esta semana…

 

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